É oficial, vencemos: os animais e as plantas criados de forma convencional não são patenteáveis. [1] Poderá parecer-nos óbvio, mas empresas como a Bayer (que comprou a Monsanto), a Syngenta e a Carlsberg tentaram por todos os meios que assim não fosse. Sem patentes, não podem controlar nem lucrar com a informação biológica destas plantas e destes animais!
É uma história de sucesso, feita por pessoas que trabalharam em uníssono, lado a lado.
Em 2016, aderimos à campanha contra a patenteação de brócolos, tomate, cevada e salmão. Mobilizámo-nos rapidamente além-fronteiras e fizemos desta campanha um verdadeiro esforço europeu. Passados alguns meses, um vasto conjunto de organizações procedeu à entrega de 800 mil assinaturas contra as patentes que transformam organismos naturais em propriedade privada das multinacionais. [2]
No verão de 2016, agricultores, jardineiros e ativistas entregaram, no Instituto Europeu de Patentes em Munique, 800 mil assinaturas, recolhidas em toda a Europa, contra a patenteação de plantas e animais.
Uma petição não foi suficiente para causar eco no Instituto Europeu de Patentes (IEP), pelo que organizámos a maior objeção oficial contra uma patente que o IEP já tinha visto. Com a ajuda de parceiros, apresentámos quase 65 mil reclamações contra uma patente de tomate, assinada por cidadãos de toda a Europa. Foi uma ação de grande envergadura: o IEP ficou tão sobrecarregado que não conseguiu dar vazão a tantas reclamações ao mesmo tempo. [3]
Em junho de 2017, confrontámos o IEP com um protesto diretamente em Munique, onde está sediado. Munique é famosa pela sua cerveja e pela tradição do fabrico desta bebida. É em Munique que se realiza o Oktoberfest, um festival e feira de cerveja que atrai milhões de visitantes. Iniciámos uma campanha contra a patenteação da cevada, da cerveja e do seu fabrico e fizemos o nosso protesto numa carroça de cerveja puxada pelos tradicionais seis cavalos de tração. [4]
Entrega de centenas de milhares de assinaturas no verão de 2017 contra a patenteação da cevada, da cerveja e do seu fabrico, requerida pela Carlsberg. Em segundo plano: o edifício de escritórios do Instituto Europeu de Patentes.
A seguir, em julho de 2017, conseguimos uma grande vitória em Bruxelas. A União Europeia declarou que as plantas e os animais não são invenções da humanidade, mas pertencem à natureza, pelo que constituem um bem comum. [5] O IEP, obstinadamente, recusou-se a aceitar a decisão, mas pelo menos suspendeu todos os pedidos de patente que estavam pendentes.
Para manter a pressão, voltámos a Munique passado um ano, em setembro de 2019, para saudar milhares de adeptos da cerveja no Oktoberfest. Têm de atravessar diretamente um pátio do Instituto Europeu de Patentes. A nossa comunidade financiou milhares de bandeiras com os dizeres "Não às patentes da cerveja". Os voluntários da Movemos a Europa, ajudados por ativistas, procederam à entrega das bandeiras, e acabámos por mobilizar as pessoas para uma manifestação. [6]
Ao passar pelo IEP, adeptos da cerveja a caminho do Oktoberfest são recebidos por ativistas, que prestam esclarecimentos em quatro idiomas. Milhares de bandeirolas fizeram desta marcha uma manifestação contra a patenteação da cevada, da cerveja e do seu fabrico.
Por último, no verão de 2019, juntámo-nos a um vasto conjunto de organizações ambientais e de agricultores para mostrar que este problema não se circunscreve às plantas, afetando também vários animais, como os suínos, os ovinos e várias espécies de peixe. Juntos, apresentámos uma carta aberta e uma reclamação oficial contra a patenteação do salmão. [7]
Em Munique, no verão, novamente. Ativistas de várias organizações apelam ao fim da patenteação de plantas e animais e entregam a nossa carta aberta contra a patenteação do salmão.
É deste lado da barricada que estamos. Do outro lado da barricada, podem ter a certeza que as empresas do setor estavam a lutar com unhas e dentes, a fazer lobby, a gastar rios de dinheiro para nos derrotar. A semana passada, porém, a Câmara de Recurso Alargada, o órgão jurídico máximo do Instituto Europeu de Patentes, publicou o seu parecer jurídico. A 14 de Maio de 2020 vencemos. Esperamos que a decisão ajude a pôr fim a uma década de completo absurdo jurídico e de decisões caóticas no IEP.
Muitas vezes, quando vencemos, temos de assinalar a combinação de bons argumentos, parceiros fortes e experientes e a ampla mobilização internacional do poder popular; e é sobretudo com o Poder Popular que a comunidade da Movemos a Europa, unindo forças, pode contribuir para o movimento. Tudo isto graças a si e a cada um de nós, com a recolha das nossas assinaturas, com a partilha dos nossos apelos à mobilização junto da família e dos amigos e com os nossos donativos, sempre que podemos.
Um agradecimento especial aos nossos parceiros "Sementes Sem Patentes" (No Patents on Seeds em inglês) e à Campact. Em 2016, a Campact convidou-nos a participar na campanha quando perceberam que se trata de uma questão europeia, que só poderá ser resolvida à escala europeia.
"Sementes Sem Patentes" é o grande mote desta campanha. Foi graças aos seus excelentes conhecimentos técnicos e à sua pesquisa persistente que obtivemos toda a informação na altura certa para podermos mobilizar as pessoas além-fronteiras e mudar decisões que têm impacto em toda a sociedade.
Festejar uma vitória é sempre gratificante, mas também sabemos a força que têm os interesses das empresas. Vão procurar lacunas. Temos de ficar alerta, e vamos precisar mais uma vez da sua voz.
Referências:
[1] É este o resultado de um parecer publicado a 14 de maio de 2020 pela Câmara de Recurso Alargada, o órgão jurídico máximo do Instituto Europeu de Patentes (IEP) em inglês: https://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/communications/2020/20200514.html
[2] Em alemão: https://www.morgenpost.de/politik/article207750349/Gegen-Patent-auf-Gemuese-800-000-Unterschriften-uebergeben.html [3] A Syngenta acabou por retirar o seu pedido de patenteação do tomate. https://taspo.de/kategorien/syngenta-einspruch-gegen-tomaten-patent/
[4] Em inglês: https://act.wemove.eu/campaigns/no-patents-on-beer e em alemão: https://www.br.de/nachrichten/bayern/protest-vor-muenchner-epa-gegen-patentvergabe-auf-braugerste,6ct32e9m6cvk0chh6ww32c1k68wkc
[5] Em inglês: https://european-seed.com/2017/07/european-patent-office-follows-eu-wishes-limits-patents-plants/
[6] Em alemão: https://www.gen-ethisches-netzwerk.de/biopatente/wem-gehoert-das-bier
[7] Em inglês: https://www.bioecoactual.com/en/2019/07/08/opposition-against-patent-on-salmon-and-trout/